Eu ando consumindo literatura fantástica desenfreadamente, quem me vê nos dias de hoje nem imagina que houve um tempo em que eu fugia desse tipo de leitura. Meu vício atual são as popularmente denominadas "romantasias", aquelas fantasias que te apresentam tudo o que você tem direito mais uma boa dose de romance. Confesso que nem sempre este combo rende um bom resultado, não é todo mundo que consegue criar um mundo fantástico rico e interessante e ainda desenvolver um casal de tirar o fôlego, geralmente a balança acaba pendendo mais para um lado, e tudo bem sabe? Eu sigo buscando, e felizmente o mercado editorial tem servido muitas histórias assim. O Rei da Terra do Nunca é um lançamento recente da editora Universo dos Livros, o primeiro livro da série Vicious Lost Boys chegou aqui prometendo tudo, e eu obviamente não pude deixá-lo passar despercebido. Já adianto que sim, esta é uma daquelas narrativas aprisionadoras e que dá pra ler em um curto espaço de tempo, a Nikki definitivamente sabe bem como falar com o leitor, isto é inegável.
O rei da terra do nunca (The Never King)
Coleção: Vicious Lost Boys #01
Autor (a): Nikki St Crowe @NikkiStCrowe
Publicação: Universo dos Livros
ISBN: 9786556093741 | Skoob
Gênero: Fantasia +18
Ano: 2023
Páginas: 208
Minha avaliação: 3/5★
Uma releitura sombria, perversa e sexy da história de Peter Pan, Wendy e os Garotos Perdidos – todos já mais velhos –, perfeita para fãs de romances dark com relacionamentos quentes e conturbados e com personagens impiedosos e moralmente ambíguos. As histórias estavam todas erradas… Hook nunca foi o vilão. Por dois séculos, todas as mulheres da família Darling desapareciam quando completavam dezoito anos. Às vezes, ficavam longe por um dia, uma semana ou até um mês. Mas sempre retornavam destruídas. Agora, na tarde do aniversário de dezoito anos de Winnie Darling, sua mãe está trancando todas as janelas e portas. Mas não adianta nada. A noite chegará, e o rei da Terra do Nunca irá pegá-la. E, dessa vez, ele e os Garotos Perdidos não a deixarão ir embora.
Desde pequena eu nunca fui muito fã do Peter Pan, nem da Alice no país das maravilhas, nem do Mágico de Oz, nem do Soldadinho de chumbo... e assim foi e ainda é com muitos outros contos infantis. E por isso eu, obviamente, não conheço estas histórias em detalhes, sei a ideia geral de todas elas e só. Então eu não tinha sequer como imaginar tudo o que o universo fantástico de O Rei da Terra do Nunca poderia me ofertar mas me joguei mesmo assim, porque como disse antes, falou que é fantasia com romance eu estou dentro. E olha só a ironia de tudo, não demorou muito para que eu me percebesse completamente fascinada pela Neverland concebida pela Crowe, eu fiquei completamente apaixonada pelas possibilidades que foram surgindo, pelas nuances descritas e pelas criaturas místicas que lá habitam. No final das contas parece que eu deveria ter dado mais atenção a história do Peter Pan, não é mesmo? Devido meu conhecimento limitado da trama original, não sei discernir o que foi inspiração e o que foi criação própria, mas afirmo que todo universo e seus componentes deveriam ter tido mais destaque, ainda mais por este ser o livro de apresentação da série. É aquele lance da balança, sabe? Aqui ela pendeu mais para o romance.
Atenção: Este livro contém cenas de violência e sexo explícito, é indicado para leitores +18.
Winnie cresceu cercada por solidão e desamparo. Sua vida ao lado da matriarca louca não poderia ter sido mais difícil, nos momentos em que ela mais precisou, a mãe estava mergulhada em desvario, contando histórias desconexas de mundos inexistentes e lutando contra uma ameaça invisível. Na tentativa de proteger a filha deste perigo iminente que só ela conseguia enxergar, Merry a submeteu a todo tipo de tortura. Winnie participou de inúmeros rituais que feriram seu corpo e sua mente, isso para que, segundo sua mãe, ela não fosse levada pelo homem mal que espreitava a família delas há gerações, sequestrando e enlouquecendo todas a moças Darlings. Quando Peter Pan, o ser místico dos delírios de Merry, surge na noite do aniversário de dezoito anos de Winnie para levá-la, tal qual sua mãe sempre anunciou, ela finalmente percebe que tudo que ela ouviu por toda a sua vida é real, e entende que está prestes a trilhar um caminho que põe em risco sua lucidez.
"Personagens impiedosos e moralmente ambíguos", ler este tipo de descrição em uma sinopse meio que te prepara para algumas coisas, né? Neste caso, eu preciso dizer que já li personagens piores, principalmente quando o assunto é maldade. Já no que diz respeito a questão moral, esses aqui se saíram muito bem em sua dubiedade. A começar por Peter Pan, que está em uma situação de completo desespero, sua sombra foi roubada séculos atrás por uma Darling e desde então ele vem tentando descobrir onde ela a escondeu, e geração após geração ele sequestra suas descentes e frita o cérebro delas tentando resgatar um fragmento de memória que possa mostrar-lhe onde ela foi escondida. É uma mistura de egoísmo e mau-caratismo, mas tudo bem né? Afinal, ele é o rei de Neverland e a ilha, bem como todos que lá habitam, dependem dele para sobreviver e sem a bendita sombra não há Peter Pan. Eu diria que é um mal por um bem maior, o que é enlouquecer jovens mulheres durante séculos quando o resultado disso pode, ou não, salvar um mundo de outras criaturas? Moralmente ambíguo, entenderam? Tipo o Thanos.
Ironia a parte, preciso destacar o fato de que, conhecer a história de Winnie deixa claro que as consequências dos atos de Peter vão além da loucura que ele provoca nas garotas. A condição mental de Merry, impossibilitou que Winnie crescesse em um lar saudável, e a tornou uma criança, adolescente e posteriormente uma jovem perdida. Tal abandono proporcionou a Winnie uma liberdade perigosa, pois ao mesmo tempo em que ela se constituiu uma mulher prática, que não se limita e nem se atém a qualquer pudor, ela também nunca soube o que é ser cuidada e protegida, isso alimentou um enorme vazio dentro dela e a deixou vulnerável a todo tipo de situação. Winnie é hipersexual, e eu sinceramente não posso afirmar se isso se deve a sua natureza biológica ou a vida a qual foi submetida, e quando chega a Neverland ela se deixa dominar pelo instinto de sobrevivência e cria um plano que lhe dá a falsa impressão de controle. Unindo a carência gigantesca a sua ânsia desesperada por sexo, ela decide seduzir Peter Pan e os meninos perdidos. O plano da gata consiste em transar com os quatro caras, porque assim eles vão magicamente se apaixonar por ela ao ponto de deixarem ela ir embora sem maiores danos. Vocês ficariam surpresos se eu dissesse que foi basicamente isto que aconteceu?
O Rei da terra do nunca é uma história de potencial enorme, possui uma ambientação admirável e personagens cheios de camadas passíveis de serem amados e odiados na mesma medida. Entretanto, a história possui uma execução simplória, eu sei que trata-se de um romance dark e que neste tipo de narrativa abordagens questionáveis são comuns, ainda assim fiquei incomodada com a forma que a relação da Winnie se desenvolveu com o Peter Pan e os meninos perdidos. Pra mim fazia total sentido se tudo se resumisse a luxúria, uma vez que não houve tempo hábil para a criação de um vínculo mais consistente entre eles. Mas a coisa toda escalou de uma forma totalmente fora de nexo, nem vou entrar em detalhes sobre o inexplicável ciúme letal do Peter, e nem sobre o cuidado exacerbado dos gêmeos Bash e Kas, mas o respeito e a proteção que o Vane, o cara que cuspiu na boca dela, demonstrou de forma inesperada, isso vindo do mais completo nada, me pegou de jeito. Foi algo interessante de se ver, mas não fez o menor sentido porque não existiu uma construção digna, simplesmente aconteceu. Além disso, vamos convir que o conflito final deixou muito a desejar. Eles levaram mais tempo limpando a bagunça do que causando ela. De modo geral, a história atrai e mantém o interesse durante a leitura, é muito fácil se deixar levar mas se você parar pra pensar meio segundo em tudo o que foi apresentado não vai entender porque gostou tanto, isso se você conseguir gostar.
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