Hoje trago para vocês a resenha do livro mais difícil e incrível que já li na vida. Quando me propus a ler A bagaceira não fazia ideia da riqueza que teria nas mãos e tampouco sequer passou pela minha cabeça que teria tanta dificuldade com o texto de José Americo. Primeiro demorei a me conectar e quando enfim consegui eis que me deparo em um emaranhado lírico cheio de idas e voltas que me encantou e confundiu. Uma leitura que me testou e me levou a extremos, hora estava eufórica hora eu estava desanimada e até triste, não nego que demorei tempo demais para finalizar esse livro, mas quando o fiz pude desfrutar daquela sensação de dever cumprido, não vou dizer que consegui absorver todas as questões levantadas na narrativa até porque a linguagem empregada no enredo é bem diferente da que estou habituada e por isso irei me ater a questão principal e a algumas considerações que me chamaram a atenção durante a leitura. Preparados? Então vamos lá!
A bagaceira (A bagaceira)
Autor (a): José Américo de Almeida
Publicação: José Olympio *Cortesia
ISBN: 9788503012997 | Skoob
Gênero: Romance
Ano: 2017
Páginas: 280
Avaliação: 4/5★
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Considerado o marco inicial da segunda fase do Modernismo brasileiro, A bagaceira inaugura o ciclo do “romance nordestino” dos anos 1930. A história se passa entre 1898 e 1915, os dois períodos de seca. O enredo central gira em torno do triângulo amoroso entre Soledade, Lúcio e Dagoberto. Soledade, menina sertaneja, retirante da seca, chega ao engenho de Dagoberto, pai de Lúcio, acompanhada de vários retirantes: Valentim, seu pai, Pirunga, seu irmão de criação, e outros que fugiam da seca. Lúcio e Soledade acabam se apaixonando. Mas a relação entre os dois ganha ares dramáticos quando Dagoberto violenta Soledade e faz dela sua amante. A tragédia de amor serve ao autor, político paraibano, puramente como pretexto para denunciar os problemas sociais econômicos do Nordeste, os dramas dos retirantes das secas e da exploração do homem em um injusto sistema social. Explorando os mesmos temas, o baiano Jorge Amado, a cearense Rachel de Queiroz, o alagoano Graciliano Ramos e o também paraibano José Lins do Rego desenvolveram a mesma literatura ficcional crítica e revolucionária.
A bagaceira é um romance ficcional e mesmo assim real. Digo isso porque pesquisei muito a respeito do livro e através disso pude confirmar o que já havia descoberto durante a leitura, o autor escreveu esta obra baseada nas mazelas reais existentes na época e embora esses personagens não tenham existido de fato, suas histórias e características refletem a vida de muitos nordestinos que passaram por situações semelhantes as descritas na trama. Não é por acaso que o romance de José Américo de Almeida se passa no período entre 1898 e 1915, nessa edição é dito claramente que um dos principais objetivos do autor ao descrever a rotina de brejeiros e sertanejos da época, era denunciar a questão social do nordeste, dessa forma não fiquei surpresa quando me deparei com uma narrativa extremamente realista e tocante.
Devido a seca infindável que pôs fim aos seus animais e plantações Valentin decide abandonar sua fazenda do Bondó, na zona do sertão e leva sua filha Soledade e o filho adotivo Pirunga para longe da morte certa que os espreita. Juntos eles partem levando o pouco que lhes resta, em busca de abrigo e emprego. Após uma longa caminhada o grupo de sertanejos é acolhido no Engenho Mazargão, administrado por Dagoberto, viúvo e pai de Lúcio, um jovem estudante de direito que costuma passar as férias no engenho. Não demora muito e pode-se perceber o surgimento de uma espécie de afeto entre Lúcio e Soledade, o rapaz se mostra extremamente comedido e respeitoso para com a moça, o que claramente é reflexo de sua educação urbana, e mesmo as insinuações da jovem sertaneja não o impele a cruzar a linha. Após chegar ao engenho para mais um período de férias o rapaz comunica ao pai sua intenção de desposar a jovem sertaneja para em seguida tomar conhecimento de que o patriarca tomou para si a pureza da jovem (de forma mais crua e direta: estuprou ela) e a reclama como amante, condenando assim as possibilidades de Lúcio que abre mão do amor da moça em favor do pai. O pai de Soledade preso por ter matado o feitor do engenho por acreditar que ele havia sido o causador da desgraça da filha fica desesperado ao tomar conhecimento do seu equívoco e ainda mais por saber que o verdadeiro culpado segue livre e impune, então resta ao irmão de criação da moça a tarefa de se fazer justiça pelo que lhes foi roubado e esse é apenas o começo dos dilemas presentes nessa obra atemporal.
"Lúcio sabia da pureza do sertão; por isso andando com Soledade, nos descampados, respeitava-a, 'com a ideia fixa da honra sertaneja'. E, um dia percebendo-lhe certas malícias inquietou-se: '- Já teria o pudor deteriorado pela contaminação da bagaceira?'"
Enquanto lia esse livro tive como companhia constante os sentimentos de frustração e impotência, ver o rumo que a história tomou foi extremamente difícil de se aceitar, apesar disso entendi que por se tratar de uma crítica a realidade cotidiana de tais povos não poderia ocorrer de forma diferente, não é mesmo? Infelizmente as coisas eram assim, os grandes senhores tomavam para si aquilo que desejavam sem se importar com quem estavam ferindo no caminho, e isso torna essa história ainda mais dolorosa. Soledade era considerada um menina mulher, faceira e de boa aparência que chamava a atenção do público masculino por onde passava, e que usava esse seu poder para brincar com todos, esse ponto em específico me incomodou bastante, quando se atribui a mulher uma parcela de responsabilidade pelos atos invasivos do homem. Isso não ocorre de forma direta, mas vejam bem, a forma que a personagem é descrita nos leva a crer que ela provocava a atenção masculina propositalmente e tendo em mente o contexto social da época entendo o porque dela ser caracterizada dessa forma, embora prefira crer que esse é o reflexo da forma deturpada que figura feminina era vista naqueles tempos (não que seja muito diferente dos dias de hoje). Quando o assunto é caráter o senhor de engenho e seu filho não poderiam estar mais distantes um do outro, enquanto Lúcio era humano, romântico e respeitoso, Dagoberto era cruel e opressor, que se aproveitava daqueles que ele sabia não ter outra opção se não sujeitar-se a suas tiranias.
Essa questão nos leva a outro ponto bem definido na história. O autor enfatiza as características dos brejeiros e dos sertanejos, sendo estes últimos super exaltados em sua narrativa, o que torna nítida a preferência do autor. Os sertanejos sempre descritos como homens livres, corajosos e protetores, enquanto os brejeiros eram definidos como servis, rasteiros e de menor inteligência, durante o enredo é possível encontrar mais de uma situação em que tais elucidações se comprovam, não posso afirmar mas desconfio que isso tenha ocorrido propositalmente. José Américo compôs uma obra magnífica que mesmo depois de tanto anos parece atual, afinal a situação política no país não se difere muito da situação nordestina nos séculos passados, ainda hoje é possível vislumbrar o povo vagando como retirante de uma lado para o outro em busca de melhorias de vida, os senhores de engenho apenas saíram da lama dos brejos para habitarem um certo palácio em Brasilia, ainda hoje somos um povo escravizado desta vez por impostos e salários indignos, um custo de vida alto para uma qualidade insignificante, saúde, educação e segurança precários é o que mais há. Alguns ainda vivem a ilusão de um país democrático e de direitos que não usufruímos, enganados como antes nos estamos aqui escrevendo mais um capítulo dessa história miserável a qual pertencemos.
A bagaceira é uma crítica válida e importante que me comoveu e indignou ao mesmo tempo que abriu meus olhos para o que estamos vivendo. Não é de hoje que o povo é oprimido pelos detentores do poder (eu sei que quem tem o poder é o povo mas povo parece não saber disso), ler esse livro me mostrou que a mendingança não começou com a crise ou a dívida externa ou qualquer outro fator de que eu possa me recordar, o autoritarismo e a servidão estão ai a mais tempo do que se pode lembrar ou falar, a diferença é que agora quem segura o chicote está disfarçado de "governo", enquanto os vassalos seguem como "servidores". Como já disse antes, absorvi a ideia principal, devido a linguagem clássica, cheia de lirismo tive dificuldade considerável para compreender alguns pontos da narrativa que considero quase poética, além disso o texto possui inúmeras palavras pouco usuais e em sua maioria pertencentes ao vocabulário nordestino da época, mas apesar de difícil, a tarefa de entender a mensagem se torna mais prática quando se visita o glossário disponível no livro (uma mão na roda). Sendo assim super recomendo essa obra que trata-se de uma leitura importante e cheia de qualidades embora não seja simples.
A bagaceira é uma crítica válida e importante que me comoveu e indignou ao mesmo tempo que abriu meus olhos para o que estamos vivendo. Não é de hoje que o povo é oprimido pelos detentores do poder (eu sei que quem tem o poder é o povo mas povo parece não saber disso), ler esse livro me mostrou que a mendingança não começou com a crise ou a dívida externa ou qualquer outro fator de que eu possa me recordar, o autoritarismo e a servidão estão ai a mais tempo do que se pode lembrar ou falar, a diferença é que agora quem segura o chicote está disfarçado de "governo", enquanto os vassalos seguem como "servidores". Como já disse antes, absorvi a ideia principal, devido a linguagem clássica, cheia de lirismo tive dificuldade considerável para compreender alguns pontos da narrativa que considero quase poética, além disso o texto possui inúmeras palavras pouco usuais e em sua maioria pertencentes ao vocabulário nordestino da época, mas apesar de difícil, a tarefa de entender a mensagem se torna mais prática quando se visita o glossário disponível no livro (uma mão na roda). Sendo assim super recomendo essa obra que trata-se de uma leitura importante e cheia de qualidades embora não seja simples.
Que capa legal kkkkk gostei da dica e nunca li rsrsrs
ResponderExcluirBeijos!♥
Blog Resenhas da Pâm
Ola
ResponderExcluirNão tinha conhecimento dessa obra, e confesso que num primeiro momento não chama a minha atenção, mas depois de ler sua resenha, me pareceu uma obra bem interessante, e pelo que pude compreender, rica em detalhes e caracteristicas que fazem toda a diferença e em críticas também. Fiquei intrigada quanto ao rumo dessa história. Obrigada pela indicação!
Beijos, F
Oi tudo bem?
ResponderExcluirConfesso que não conhecia o livro mas a sua resenha me deixou com vontade de conhece-lo me parece uma leitura cheia de lições aquelas que nos levam a refletir né? Gosto de livros que a gente não esperava tanto é eles nos surpreendem.
Beijos
Oie...
ResponderExcluirAdorei sua resenha!
Já excelentes comentários sobre essa obra, e sua resenha só me animou ainda mais a ler! Gosto de leituras assim, são muito enriquecedoras e tenho certeza que o autor fez um ótimo trabalho ;)
Já está anotado nos desejados ;)
Bjo
O nome me fez rir, mas o enredo foi que me fisgou. Gosto de livros com este venário nordestino e os meus clássicos nacionais favoritos são bem nesta vibe. Adorei a dica e espero poder ler o mais rápido possível.
ResponderExcluirMEU AMOR PELOS LIVROS
Beijos
Olá, Delmara!
ResponderExcluirAmei a resenha, amei mesmo!! Parabéns pela leitura e obrigada por me apresentá-la!
Gostei muito da abordagem do autor, e não apenas como leitora, mas como estudante, não posso ignorar essa obra! É meio melancólico e curioso essa história, por ter uma linha tênue entre a realidade e a ficção. Gostaria de pensar que teria um final feliz, mas se tratando da realidade da época e de agora... até porque tiraria o brilho da obra.
Gostei muito dos pontos que levantou, e espero muito levantar meus próprios quesitos e avaliar os levantados por você. São questões tão antigas e ainda assim tão atuais, chega a ser difícil acreditar que faz mais de um século que a história "se passou", e ainda assim nos encontramos no mesmo cenário e em papéis tão símeis!
rsrsrrs, estou muito animada para conferir a obra, mas confesso que o único receio que tenho é pela linguagem, fora isso...!
Beijos
Olá!
ResponderExcluirConfesso que ri um pouco com o nome do livro, mas seu enredo é de tamanha valia e importância que me senti envergonhada por ter rido no começo. Sua resenha ficou incrível e me vi com muita vontade de ler esse livro e me deparar com essas reflexões que são evocadas pelo autor. Muito obrigada pela dica, acho que é uma leitura bem importante de se fazer, dada a situação em que nosso país vive.
Ingrid Cristina
Plataforma 9 3/4
Que capa mais brasileira!
ResponderExcluirO tema é incrível, acho que atualmente não existem muitos livros adaptados no nordeste, não que eu tenha conhecimento, pelo menos. Analisando o que você escreveu sobre o livro, parece uma bela crítica social daquela época... Mas também hoje, tais coisas ainda existem, se você colocar os senhores de engenho como os políticos do alto escalão, como você mesma disse.
E acredito que não é que o povo não sabe que tem poder... Ele só está cansado e acredita que lutar não levará a nada. Sai um ruim, entra outro.
Gostei muito de conehcer essa obra!
Abraços!
www.asmeninasqueleemlivros.com
Oi!
ResponderExcluirEu realmente não conhecia a obra, mas me parece uma leitura totalmente importante. Até porque, somos sim oprimidos pelos que tem poder e imagina a angustia e frustração que sentiu lendo o livro. Anotei a dica aqui, com certeza será uma leitura interessante. :)
Oie! Tudo bem?
ResponderExcluirNão conhecia a obra, mas infelizmente ela não faz o meu estilo de leitura! Por mais que os temas abordados nela aparentam ser bastante importante, é o tipo de história que sai muito da minha zona de conforto, por isso dessa vez passo a dica!
Bjss
Olá Delmara,
ResponderExcluirAinda não conhecia esse título, mas fiquei muito interessada para fazer a leitura, pois, além de parecer ser um livro intenso parece ser muito importante para conhecimento pessoal e gosto muito disso.
A linguagem é algo que me deixa um pouco receosa, pois passa a impressão de ser mais lenta e não é algo que quero ler agora, mas vou anotar a dica.
Beijos,
http://www.umoceanodehistorias.com/
OI!
ResponderExcluirEssa é a primeira vez que vejo esse livro, mas pela sua resenha deu pra perceber que ele é uma leitura muito importante por causa das críticas que trás e da maneira como elas são trabalhadas na história.
Dica mais que anotada
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirNão conhecia nem o livro nem o autor, mas fiquei curiosa para ler! Mais um livro para a minha lista infindável de leituras!
Oi, Delmara
ResponderExcluirNão duvido que esta seja mesmo uma história muito rica e achei interessante o fato dele ser um livro que aborda a realidade de um povo em sua trama ficcional, mas não é um tipo de história que me atrai então por isso eu não o leria.
Acho que você pode até não ter conseguido absorver tudo, mas conseguiu passar perfeitamente a essência da história! :)
Beijos
Olá, tudo bom?
ResponderExcluirNão conhecia o livro e, apesar da dificuldade de leitura pela linguagem e lirismo encontrada na mesma, fiquei muito curiosa em realizar a leitura, principalmente pela atemporalidade das críticas e por mostrar que não é de hoje que o povo é oprimido pelos detentores do poder. Adorei também o fato de ser uma obra ficcional, mas, com acontecimentos reais. Enfim! Amei sua resenha, super bem escrita! Sugestão anotada ^^
Beijos!
Oi! Simplesmente amo livros que possuem em seu enredo questões socioeconômicas. É aquele tipo de livro que te empresta uma visão mais crítica de nossa sociedade, sem deixar de lado uma narrativa lida por prazer. Entendo sobre o livro provocar em você uma diversidade de reações. Dizem que os melhores livros são assim. Espero gostar da obra tanto quanto você, pois já vou colocar na minha lista do skoob.
ResponderExcluirResenha muito bem definida, excelente apresentação de autores que escreveram sobre o mesmo contexto de um "injusto sistema social". Parabéns e, Obrigado!
ResponderExcluirParabéns pela brilhante resenha! Associar a obra aos dias atuais foi excepcional. Estou na minha segunda leitura do livro!
ResponderExcluirJá havia lido a obra anteriormente. A resenha e crítica apresentadas aqui são pertinentes. Ainda bem que você não detalhou o real motivo de Lúcio abrir mão de Soledade. Deixemos isso para quem ler a obra. Certamente, uma nova surpresa.
ResponderExcluirMeus são paraibanos e, sempre que vou a João Pessoa, passo em frente a casa desse autor, no bairro de Cabo Branco. Não li, mas já tinha o conhecimento desse clássico, assim como a biografia de José Américo. Abraços e sucesso.
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